terça-feira, 15 de março de 2011

Mouros vs cristãos: uma Derrota do Ocidente


Mouros vs cristãos
Uma Derrota do Ocidente


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Os cavaleiros cristãos, na época da primeira cruzada, depois de terem conquistado Jerusalém no ano 1099, dividiram a região da Terra Santa em diversos reinos e, explorando a fraqueza e os desacertos entre os maometanos, conseguiram firmar-se lá por dois séculos. Situação que durou até que Saladino, um chefe curdo, conseguiu liderar o povo do Crescente para expulsá-los. A partir dele, os dias de posse da cristandade de um pedaço da terra sagrada se encerraram.

"Praza a Deus que eles nunca mais coloquem os pés aqui."
Abul-Fida, comentando a expulsão dos cristãos em 1291, século XIII


Uma promessa ao pai


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Balduino I, rei de Jerusalém (1100)
As tropas do sultão Qalaum mal haviam saído do Cairo quando ele começou a sentir-se mal. Resolveram acampar em Marjat-al-Tin, onde o seu filho al-Asrhraf Khalil, foi chamado às pressas à tenda do pai. Ali, ele jurou dar continuidade à campanha militar contra os remanescentes dos cruzados que ainda restavam ocupando um naco da Terra Santa. O idoso sultão mameluco expirou em novembro de 1290 e seu sucessor resolveu postergar as operações para o ano seguinte. Seriam os derradeiros movimentos de uma longa e dolorosa guerra que, apesar de seguidas tréguas, envolvia muçulmanos e cristãos há quase dois séculos, desde os tempos da Primeira Cruzada (1095-99).




Os reinos cristãos da Terra Santa


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O povo de Cristo e os cavaleiros rumo a Jerusalém
Fanatizados pela Igreja medieval, milhares de cavaleiros de todos os escalões da nobreza européia haviam tomado o rumo da Oriente acompanhados por uma chusma de peregrinos e beatos de todas as procedências. Em 1099, conseguiram tomar Jerusalém, massacrando quase toda a infeliz população muçulmana lá capturada. Em 1100, Balduino, conde de Edessa, resolveu proclamar-se rei de Jerusalém e os cruzados formaram o Reino Latino, composto por quatro estados nas regiões ocidentais da Síria, Líbano e Palestina. Apesar de sua escassez em homens, conseguiram se impor aos nativos graças a suas poderosas armaduras, sua determinação fanática, e a uma série de fortes e castelos que construíram na área. Para assegurar ainda mais seu domínio sobre uma população hostil, permitiram que mercadores das cidades comerciais italianas lá se instalassem, bem como criaram as ordens monacais dos templários e dos hospitalários, para dar apoio logístico às romarias incessantes vindas da Europa.

Da inanição à reação


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Saladino vence os cristão em Hattin (1187)

Divididos entre si, os muçulmanos demoraram quase meio século para reagir ao torpor provocado pela invasão dos odiados franjs, como eram chamados por eles os cruzados. A cada sucesso dos árabes, mais cristãos desembarcavam nos portos levantinos para assegurar a posse os lugares sagrados. Em 1174, as forças do Islã passaram a contar com a extraordinária energia do sultão, de origem curda, Saladino (1137-93). Pondo fim ao inoperante califado fatímida do Egito, passou a coordenar uma campanha sistemática contra as bases dos infiéis. Treze anos depois, em 1187, depois de vitorioso na batalha de Hattin, Saladino teve a honra de ser o primeiro líder islâmico a retomar a cidade sagrada de Jerusalém ao expulsar os cruzados de lá.


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Saladino (1137-93)
Desde então, confinados a alguns portos do Levante, os cristãos agarravam-se ao litoral da Terra Santa como caranguejos em dia de maré baixa. Os conflitos internos que afligiam a cristandade européia, as querelas dos papas com os imperadores e reis desestimularam a chegada de auxílio. Foram salvos de uma expulsão definitiva pela abrupta invasão dos mongóis vindos da Pérsia e que começaram a assolar a região. Liderados pelo neto de Gengis-Kahn, Hulagu, colocaram o mundo árabe em polvorosa.







A ascensão dos mamelucos


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S. Mateus escrevendo o evangelho
Foi então que se assistiu uma das mais ímpares revoluções da História. Exasperados pela incompetência e paralisia da elite abácida, que se mostrava incapaz em fazer frente aos mongóis e aos cristãos, os chefes mamelucos deram um golpe de Estado, no Cairo, removendo o califa. Os mamelucos eram soldados-escravos de origem turca importados pelos governos árabes para conduzir as tropas e formar "guardas de confiança" das dinastias reinantes. Nunca lhes havia sido dado qualquer papel político, a não ser o de obedecer servilmente às ordens. Em 1260, apoiados pela vitória sobre os mongóis em Ain Jalut, o emir Baibars fundou o sultanato mameluco injetando ânimo na população conclamada à jihad, a uma guerra santa contra os infiéis.

O cerco do Acre


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Os templários, monges-guerreiros
Trinta anos depois daquela revolução, a data final se aproximava. Cumprindo finalmente com a promessa feita ao pai moribundo, o sultão Khalil acampou em frente às portas da cidade-fortaleza de Acre, em abril de 1291. Fazia exatamente cem anos que ela havia caído em mãos cristãs; agora era o reduto último da presença dos franjs na Terra Santa. Um impressionante exército havia sido convocado dos quatro cantos do sultanato: 60 mil ginetes e 160 mil infantes armados de catapultas, aríetes e bombardas de toda espécie. As tropas do sultão estavam sedentas de vingança porque, uns tempos antes, naquela mesma cidade, atrás daqueles portões e muralhas, centenas de pacíficos mercadores árabes haviam sido trucidados por uma malta cristã.

Arruaceiros cristãos
O rei Henrique do Acre tinha solicitado, dois anos antes, temendo um ataque do Islã, que lhe enviassem reforços da Europa. Somente uma escória vinda da Lombardia e da Toscana havia embarcado em seu socorro. Desde que chegaram, a disciplina falha e os impulsos anárquicos desses reforços só deram incomodação às autoridades. Certo dia, depois de uma bebedeira monumental, saíram à caça de todo o tipo barbado que encontravam pela frente, degolando impiedosamente os árabes. Quando o sultão do Cairo tomou conhecimento da matança dos muçulmanos, exigiu que os assassinos lhe fossem entregues para serem submetidos à justiça corânica, o que foi negado pelas autoridades cristãs de Acre. Agora, em punição ao desafio dos cristãos, um exército imenso estava à vista da cidade para pôr fim não só aos bêbados assassinos, como ao domínio ocidental sobre aquele porto.
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A disposição das forças
Os comandantes cruzados determinaram que todos se dirigissem às muralhas. Naquelas voltadas para o norte estavam os monges templários, ordem fundada em 1120, que se tornara uma grande instituição financeira. Em seguida, vinham os hospitalários e os cavaleiros da Ordem Teutônica. As quatro torres centrais estavam sob controle do príncipe Amalarico, irmão do rei, enquanto nas muralhas do leste agrupavam-se os franceses, ingleses e os soldados genoveses e pisanos, bem como os burgueses da comuna do Acre.


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Desembarque dos reis na Terceira Cruzada

Atendendo às ordens do sultão, centenas de engenheiros e sapadores, protegidos por milhares de flechas e projéteis, começaram a minar as torres centrais. A luta se estendeu por todo o perímetro da dupla muralha. As tropas que o rei Henrique trouxe às pressas da ilha de Chipre, controlada apelos cristãos, rapidamente se mostraram insuficientes para reforçar a guarnição de apenas 15 mil cavaleiros e infantes.

O assalto dos mouros


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A queda do Acre, o assalto dos mouros
No dia 18 de maio foi ordenado o assalto final, fazendo com que um verdadeiro mar humano aos gritos de Alá se jogasse contra as torres do Acre. Depois de intensa luta, os muçulmanos conseguiram derrubar parte dos muros e se apossaram da porta de São Nicolau. Um caudal de soldados adentrou pelas ruelas e paços da cidade-fortaleza, dizimando quem encontrasse pela frente. O rei Henrique e alguns notáveis conseguiram embarcar às pressas em barcos cristãos e foram abrigar-se junto ao reino cipriota. Lá, mantiveram a ficção de um Reino Latino de Chipre. Ao cair a noite daquele dia, os odiados franjs tinham-se rendido, haviam fugido ou estavam mortos. Nos meses que se seguiram à batalha de Acre, as tropas do sultão percorreram a zona costeira pondo em fuga os cristãos remanescentes em outras cidades, destruindo cuidadosamente tudo aquilo que pudesse ser utilizado pelos cruzados caso eles tentassem, algum dia, novamente desembarcar na região. Chegaram a revirar as hortas, decepar as árvores frutíferas e desmantelar o sistema de irrigação para tornar impossível a reconquista. Completavam assim, com tal gesto devastador, o que os teólogos chamaram de De Expugatione Terrae Sanctae, a expulsão dos cristãos da Terra Santa, iniciada por Saladino mais de um século antes.

Que eles não voltem mais
O jovem oficial árabe Abul-Fida, que estava presente na batalha e que, mais tarde, se tornou governante de Hama e historiador, deixou um relato vivo das operações de sítio e captura de Acre, e foi com alívio que encerrou sua crônica rogando "praza a Alá que nunca mais eles coloquem os pés aqui". Passaram-se, desde então, setecentos anos e, por desgraça, Ocidente e Oriente voltam a tragicamente se defrontar.
Infelizmente, nem Alá nem o Deus dos cristãos atenderam as súplicas de Abul-Fida.






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