terça-feira, 15 de março de 2011

A conquista da Gália por Júlio César


A conquista da Gália por Júlio César

  
Há dois mil e cinqüenta anos atrás, Júlio César, um dos mais célebres estadistas romanos, publicou um relato da sua campanha contra as tribos celtas que então viviam espalhadas pela Suíça, França, Bélgica e Inglaterra, denominando-o Commentarii de bello gallico, Comentários sobre a Guerra Gálica, consagrando-o como um excelente historiador.Seu livro tornou-se leitura obrigatória para os estudantes de latim. Que extensão tinha a região conquistada pelos romanos e quem eram as tribos e qual a cultura dos que lá habitavam e como fez César para dominá-la, é o que o se segue.

Vercingetórix rende-se a César em Alésia (52 a.C.)
César abre a primeira página do seu livro com uma das suas mais conhecidas frases: Gallia est divisa in partes tres, "a Gália está toda dividida em três partes". E, de fato, assim era. Bem ao norte, a Terra dos Celtas era habitada pelos belgas, no centro pelos gauleses propriamente dito, e, ao sul dela, pelos aquitânios. Politicamente, a parte meridional encontrava-se nas mão dos romanos desde 222-121 a.C., que a denominavam de Gália Narbonense, tendo como principal centro era o porto de Marselha.
A posse dessa região costeira do Mediterrâneo, permitia-lhes trafegar seguros pela Via Domitia, a estrada que ligava a fronteira da Itália ao Leste, com a da Ibéria, ao Oeste. Geograficamente, ela se estendia de Milão, no Vale do Rio Pó, até o sopé das montanhas dos Pirineus. Foi para lá que enviaram Caio Júlio César, de distinguida e aristocrática família latina, como procônsul da Gália Narbonense, no ano de 59 a.C.


O povo que lá vivia, no que os romanos denominavam de Gália Comata, eram os celtas, separados entre si pelas mais diversas razões. Dividiam-se eles,de um modo geral, em galos Heudos, Arvernos, Belgas, e nos que compunham as tribos marítimas que habitavam nas margens do Atlântico (onde hoje se situam a Bretanha e a Normandia, departamentos da França). Esses gauleses, rústicos e durões, que até então estavam fora da órbita romana, eram chamado de galos cabeludos (Gallo comata), para separá-los dos chamados galos togados (já totalmente romanizados).

Gallia est divisa in partes tres
Caçadores e guerreiros, envolvidos em intermináveis desavenças tribais, os galos cabeludos desprezavam a atividade agrícola, apesar da grande fertilidade do solo da França. Dedicavam-se à criação de cavalos e de gado doméstico, havendo porém ente eles grandes artistas no trabalho com bronze, estanho, e objetos de prata. O pouco comércio que conheciam era em geral praticado por comerciantes romanos que trafegavam pelos seus rios e aldeias, trazendo-lhes produtos de fora.

Reis, chefes e druidas


A organização política dos gauleses, ou a ausência dela, foi sua perdição. A Terra dos Celtas era uma barafunda de tribos que ora eram governadas por um pequeno número de nobres guerreiros, outra por reis ou chefes clânicos, e até por um curioso tipo de magistrado, o Vergobret, escolhido, tal como o cônsul romano, por um período de um ano. Para o leitor de César fica evidente que a diversidade política dos galos cabeludos, e o desacerto que dai decorre, facilitou sua capitulação final frente aos romanos. Contra os galos cabeludos, César pôde exercer a plenitude da máxima Divide ut regnes, divide e domina, tática que os lideres romanos sempre souberam tão bem aplicar contra os outros povos.

As deidades celtas


Se eles desacertavam-se, envolvidos em intermináveis rixas tribais, havia porém um sentimento unívoco deles pertencerem a um universo religiosos só. Belenus, o deus da luz, Belisama, a deusa da luz e do fogo, Cernunnos, o deus da fertilidade, Epona a protetora dos cavalos, e Smertrios, o deus da guerra (o Marte dos gauleses), eram deidades sagradas em todo o mundo celta.
Cernunnos, o deus-alce, símbolo da fertilidade

Como também existiam entre eles a confraria dos Druídas, os sacerdotes-xamãs que formavam a influente elite religiosa. Anualmente, vindos das mais distantes regiões da Terra dos Celtas, eles se reuniam num grande concílio em Chartres (onde, bem mais tarde, no século XII, a Igreja Católica, para celebrar sua vitória sobre o paganismo, fez erguer uma das maiores catedrais da Europa), para trocarem receitas de poções e saberem das novidades.


A campanha de César na Gália



Caio Júlio César (100-44.a.C.)
Sabendo explorar as desavenças e as eternas desconfianças reinantes entre os gauleses cabeludos, particularmente entre as duas grandes tribos que habitavam a parte central da Gália, os heudos e os arvernos, César se pôs em marcha. O pretexto para intervir na Gália transalpina foi a provável invasão dela pelos germanos, que faziam ameaças do outro lado do Rio Reno.
Com apenas quatro legiões (a 7ª, a ª, a 9ª, e a 10ª), uns 24 mil homens, fora as tropas auxiliares, o romano deslocou-se pelos seis anos seguintes, entre 58 a 52 a.C., por quase todo o território da Gália, impondo-lhe a obediência ao gládio e à lei de Roma. Sob seu comando, à sua disposição, ele tinha a maior invenção de Roma em todos os tempos: a Legião.



Impressionante parte da máquina de guerra romana, cada legião tinha um efetivo de 5000 a 5500 soldados engajados por contrato. Disciplinados e bem treinados, divididos em coortes, em centúrias e decúrias, os legionários, auxiliados por uma cavalaria audaz, realizavam maravilhas nos campos de batalha. Não só neles. Mesmo no descanso, eles não tinham descanso. No acampamento era o momento em que o pilus (a lança) era substituída pela pá.
Com ela cavavam uma trincheira retangular ao redor das barracas e erguiam paliçadas no perímetro delas para nunca serem pegos de surpresa pelos inimigos. Eram capazes de, arrumados em linhas (veliti, manipoli di astati, principi, e di triarii), onde recrutas e veteranos se intercalavam, enfrentar contingentes de forças muito superiores as suas, graças à coesão e às táticas de luta em conjunto em que se exercitavam.
Em geral, os bárbaros, desconsiderando o comando único, atacavam em hordas, onde cada clã, quase cada guerreiro, tratava de vencer por si só a batalha, tornando-se presa fácil das organizadas tropas romanas. Mesmo quando depois de ter recebido reforços (seu efetivo parece ter saltado para 50-55 mil homens), não deixa de ser impressionante o fato de César ter submetido um território de 600 mil km2 com tão pouca gente.


O exemplo de César


O próprio César revelou-se um comandante notável. Vestindo o paludamentum, uma cota militar vermelha para poder ser visto de qualquer canto da batalha pelos seus soldados, foram inúmeras as vezes em que ele empunhou um escudo e foi para as linhas de frente dar ânimo aos seus soldados. bateu os helvécios, os germanos, os belgas, os vênetos e armóricos, os bretões e finalmente sufocou a resistência dos gauleses arvernos.
Suas tropas marcharam pelos Montes Jura, pelas margens do Rio Reno (chegando a construir pontes para atravessá-lo), pelas florestas das Ardenas, pelas planícies do Flandres, pela costa do atlântico, e, atravessando o Canal da Mancha, chegaram às ilhas britânicas. Idolatrado pelos soldados, César os acompanhava a cavalo ou a pé, procurando estar sempre presente nos pontos mais frágeis da defesa para que o seu exemplo de destemor e tranqüilidade, não permitisse os soldados a desandarem ou a desertarem.

Alésia e a capitulação de Vercingetórix


O levante de Vercingetórix, o chefe dos galos arvernos, foi um dos mais impressionantes e emocionantes acontecimentos da história antiga. O grande caudilho, decepcionado pelo conformismo da nobreza gaulesa com a ocupação romana, "faz nos campos", narrou César, "um alistamento de pobretões e homens perdidos. Com esta tropa chama a seu partido todos os da cidade, que vai encontrando; exorta-os a tomarem armas pela liberdade comum".
A essa altura a Gália inteira ferveu. O gaulês insurgente consegue impor uma derrota parcial às legiões de César que tentaram capturá-lo em Gergóvia (perto de Clermont-Ferrant), conclamando então o povo a uma guerra total contra os romanos. Que queimassem tudo, as choças e as colheitas, nada deixando ao invasor. César, porém, se recupera e aplica sucessivas derrotas à cavalaria gaulesa.

O gaulês agonizante, símbolo da derrota de um povo livre


Vercingetórix, retirando-se com 80 mil homens e 9 mil cavalos para Alésia, no alto do Monte Auxois, pensa em repetir Gergóvia, onde resistira com êxito ao sitio do romano. Só que desta vez foi diferente. César tomou-se de precauções. Os seus engenheiros traçaram rapidamente um plano de circunvalação do oppidum, a fortificação dos gauleses. De novo os 55 mil legionários empunharam a pá. Em seis semanas eles abriram mais de vinte quilômetros de trincheiras, montando um complexo sistema de valos, fossas, armadilhas as mais diversas, e uma paliçada completa, com torres erguidas a cada 120 metros. César decidira-se matar os gauleses pela fome.
Vercingetórix, liberando sua cavalaria, ordenou que eles trouxessem reforços de todas as partes da Gália. Novamente César se precaveu. Uma outra circunvalação foi escavada, desta vez voltada para fora, para poder resistir ao inevitável ataque que viria dentro de uns tempos. De fato, uma massa de 250 mil gauleses de quase todas as tribos, partira em socorro do capitão gaulês preso pelo garrote romano em Alésia.
Enquanto isso no interior da cidade cercada, a fome fazia seus estragos. Casos de antropofagia começara a ocorrer. As esperanças de Vercingetórix de ser salvo se esvaíram quando ele viu lá dos altos da sua paliçada, os romanos de César aplicarem uma derrota acachapante nos reforços que viriam tirá-lo do apremio. Sim pois eles conseguiram por a correr aquela multidão formidável. A batalha pela liberdade estava perdida. A Gália cativa.


A atitude nobre de Vercingetórix


No dia seguinte ao desastre. Quando não havia na Gália inteira nenhuma força organizada para poder fazer reverter o sitio de Alésia, Vercingetórix convocou o conselho militar dos seus oficiais. Nas palavras de César "demonstra-lhes que havia empreendido a guerra, não por interesse seu particular, mas pela liberdade comum, e pois que se tinha que ceder à fortuna, se lhes oferecia para uma das duas coisas, ou para com sua morte satisfazer aos romanos, ou para o entregarem vivo aos mesmos, como melhor entendessem.
E foi assim que procedeu. Montando no seu corcel, vestido de luzente armadura, Vercingetórix cavalgou para o acampamento do inimigo. César o recebeu num tablado improvisado, onde sentava num pequeno trono. Ordenou ao vencido que entregasse o cavalo e suas armas a guarda.
Vercingetórix se desafez de tudo e foi sentar-se aos pés de César. Os demais gauleses sobreviventes foram entregues aos legionários como butim de guerra. O bravo Vercingetórix foi posteriormente conduzido à Roma onde terminou decapitado, talvez uns cinco anos depois de Alésia.

Depois de Alésia


Para César essa batalha foi decisiva na sua carreira. Vitorioso na Gália, ele decidiu-se três anos depois, ao atravessar o Rubicão em 49 a.C., disputar com Cneu Pompeu a hegemonia sobre a República Romana, tornada império universal. Venceu-o.
Tornou-se ditador em 46 a.C. e morreu assassinado nos idos de março de 44 a.C. numa conspiração de senadores, entre os quais Bruto que, uns anos antes, estava com ele, ajudando-o a derrotar Vencingetórix. O poder depois da morte de César foi disputado entre seu sobrinho-neto Otávio, e um antigo auxiliar de César, Marco Antônio (também um veterano das Guerras da Gália).
Para a Gália, a derrota em Alésia significou a derrocada da cultura celta e sua substituição pela romana. César, ao ordenar que o latim se tornasse a língua oficial das tribos gaulesas submetidas, foi, de certa forma, um dos forjadores da língua francesa atual, uma das mais belas heranças da Roma Antiga. Deste então, surgiu na Gália uma nova civilização: a Galo-romana.
Bem mais tarde, no século III, na época da anarquia militar, aproveitando-se da situação caótica em que o império romano se encontrava, durante 14 anos seis chefes galo-romanos proclamaram-se imperadores (de 259 a 273). Este surto independentista pode ser considerado como a última manifestação dos gauleses de tentarem reaver sua independência, ainda que abrigados com o manto do imperador de Roma.

O gaulês ferido, expressão do desalento de um povo




As campanhas de César na Gália (58-52 a.C.)



DataNaçãoRei/LíderMotivo da Guerra
58 a.C.HelvéciosDunórixTentativa dos helvécios de invadirem, partindo da Suíça, o Sul da Galia. Foram derrotados por César na batalha de Bibracte, aceitando em seguida a situação de vassalagem.
57 a.C.GermanosAriovistoLuta pela hegemonia da Gália setentrional. Os germanos foram derrotados perto de Besançon, na Alta Alsácia e Ariovisto buscou refugio além do Rio Reno. César ordena a travessia do rio dos germanos para punir a tribo dos sugambros.
56 a.C.BelgasGalbaReação das tribos belgas à presença romana na sua fronteira. Batidos por César perto de Novon, capitulam.
55 a.C.Tribos marítimas-César se desloca para a costa atlântica e enfrenta os gauleses armóricos ou vênetos, numa guerra por terra e por mar. Duras represálias contra as lideranças das tribos marítimas que resistiram aos romanos.
55-4 a.C.BretõesCasivelaunoExpedição punitiva de César às ilhas britânica pelos bretões terem dado abrigo aos patriotas da armórica que lá procuraram refúgio. Depois de um acordo, César recuo para a Gália.
53 a.C.GaulesesAmbriórix e outrosLevante geral contra os romanos. César com sua presença consegue fazer refluir o movimento.
52 a.C.GaulesesVercingetórixNova insurreição, desta vez popular. Trata-se de uma rebelião geral contra o invasor. César é batido em Gergóvia, mas, em seguida, consegue cercar os gauleses em Alésia. Rendição de Vercingetórix. Fim da Gália independente, tornada desde então província romana.





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