terça-feira, 15 de março de 2011

Juscelino e o pan-americanismo


Juscelino e o pan-americanismo


Juscelino Kubitschek
Em 20 de junho de 1958, o presidente Juscelino Kubitschek apregoou em alto e bom som a necessidade de haver um relacionamento mais bem intenso entre as economias do sul e do norte do hemisfério americano. Entre a América Latina e os Estados Unidos havia uma imensa fenda que, com os anos, somente se alargava ainda mais. Abaixo dela uma massa de indigentes, de nações e povos condenados a pobreza, e, acima, o país mais rico do mundo. Para dar um primeiro passo na superação dessa apavorante desigualdade é que o presidente do Brasil anunciou a chamada Operação Pan-Americana.




Cenas terríveis em Caracas


A turba cerca o carro presidencial de Nixon (Caracas, maio de 1958)
"ao não compartilharmos, senão simbolicamente, da direção de uma política, o não sermos muitas vezes ouvidos nem consultados – mas ao mesmo tempo estarmos sujeitos aos riscos dela decorrentes -, tudo isso já não é conveniente ao Brasil"


Juscelino Kubitschek, Operação Pan-Americana, 1958

Em maio de 1958, nem bem o Cadillac presidencial trazendo o vice-presidente americano Richard Nixon, em viajem de boa vontade pela América Latina, apontou na avenida Sucre, em Caracas, a turba armou-se de pedras. Uma horda furiosa, rompendo com tudo o que tinha pela frente, cordões e policiais, cercou o veículo e, por muito pouco, o visitante e sua esposa Patty, não foram linchados. O carrão oficial, a toda a velocidade, com os vidros estraçalhados pelas pedras, teve que refugiar-se na residência do embaixador americano, transformada num bunker. Logo que soube dos tormentos de Nixon, incidente que chocara boa parte do mundo por sua violência, Juscelino Kubitschek, no segundo ano do seu mandato, ligou para ao seu amigo, o poeta Augusto Frederico Schmidt. Como entender aquele desvario todo, a loucura daquela multidão?
"Expus a Schmidt" , disse Juscelino, “o que tinha em mente, e o fiz com a maior veemência, declarando que havia chegado a hora de o Brasil indicar o caminho de uma nova política. Iria mobilizar o continente inteiro para uma cruzada de redenção econômica",
Disto resultou, do desastrado périplo latino-americano de Nixon - ironicamente chamada de “Amigos” -, e da consulta que o presidente do Brasil fez a um homem de letras ( para os críticos, bem pequenas), o projeto da Operação Pan-Americana (*).

A situação do pan-americanismo


O texto completo da posição de Juscelino não demorou a ficar pronto, e homem de censo teatral, apresentou- na presença de todo o ministério, anunciando-a em cadeia de rádio e televisão. Era uma tentativa de dar uma sacudida nas relações da América Latina com os Estados Unidos, que, segundo ele, estavam em ponto morto. Menos de um mês antes, em 28 de maio, ele enviara uma carta ao General Eisenhower, presidente norte-americano, para dar sua visão dos ocorridos de Caracas. Na missiva, alertou que as tratativas dos norte-americanos com seus vizinhos, que naquela época já datavam de 132 anos, só tinham produzido de bom dois escassos documentos: a Doutrina Monroe, de 1823, e a Carta da Jamaica de Simon Bolívar, de 1815. Ambas recheadas de idéias generosas, de retórica fraternal, comentou ele, que, porém, “viviam no limbo, sem possibilidade de qualquer execução prática.”
Chegara o momento de fazer-se alguma coisa com o pan-americanismo, algo de prático, que fosse exeqüível. Tornar o desejo de Bolívar letra viva. Eisenhower gostou do tom e remeteu-lhe um tal de Roy Rubottom para confabulações. Foi um decepção. Republicano da gema, o enviado norte-americano disse que tudo aquilo – afinal o segundo homem na hierarquia americana quase foi morto - não teria acontecido se os governos locais não fossem tão lenientes com os comunistas. Se a polícia tivesse baixado o cassete preventivo na turba, os episódios desagradáveis que o vice-presidente passou teriam sido evitados. Juscelino ponderou que os comunistas eram numericamente insignificantes e se o povo deu-lhes ouvidos, deveu-se a existência de um profundo mal estar e rancor que sentiam com a presença de um figurão norte-americana.

A Operação Pan-Americana


Salão Ministerial do Catete (Palácio do Catete. RJ)
Deste modo, em franca divergência com o representante de Eisenhower, ele entendeu, quase que psicanaliticamente, a ameaça de linchamento de Nixon como um clamor dos latino-americanos contra a estagnação e atraso que se encontravam frente a pujança da América do Norte. A solução para isso, evidentemente, não era policial. O Brasil, segundo Juscelino, conciliador por excelência, “sem pleitear nada para si próprio”, assumiria dali para diante a tarefa de propor-se a um entendimento geral. Negando-se ao alheamento e saindo da desconfortável situação de ser uma participante passivo do drama geral, o Brasil chamava a si a responsabilidade de encaminhar negociações junto aos Estados Unidos para fazerem um grande plano de superação, com o apoio do irmão norte-americano, “ da chaga do subdesenvolvimento”: a Operação Pan-Americana. Era a sincera revolta organizada contra a pobreza que tomava a forma de discurso. O que deveria vir para cá não eram recursos para a repressão mas investimento. Não fuzis, mas pão e emprego. O fim do projeto juscelinista era arrancar a América Latina da “ retaguarda” em que se encontrava. Posição esta que enfraquecia a causa ocidental, pois era a miséria e a desigualdade que alimentava a retórica da subversão. Se todos começassem a prosperar, saindo do buraco da indigência, a consciência geral ascenderia e o pan-americanismo sairia ainda mais fortalecido. Em verdade, os americanos somente aderiram a proposta assustados pela Revolução Cubana de 1959, quando então John Kennedy lançou, açodado, a Aliança para o Progresso, em 1961. Mas aí Juscelino , cujo centenário do nascimento celebrou-se em 12 de setembro, não estava mais no poder, e para ele nunca mais voltaria.


Bibliografia:
Baer, Werner – A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico no Brasil (Editora Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1977)
Benevides, Maria Victória de Mesquita – O governo Kubischek(Editora Paz e Terra, RJ., 1976)
Bojunga, Cláudio – JK, o artista do impossível (Editora Objetiva, SP., 2001)
Carone, Edgar - A Republica Liberal: instituições e classes sociais(Difel, SP., 1985 )
Kubitschek, Juscelino – Por que construí Brasília (Senado Federal, Brasília, 2000)
Skidmore, Thomas – Brasil: de Getúlio a Castelo (Editora Saga, RJ, 1969)

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