terça-feira, 15 de março de 2011

Juscelino Kubitschek, o domador do sertão


Juscelino, o domador do sertão


O ano de 1956 foi extremamente importante na história política e cultural brasileira. Naquela ocasião, o mineiro Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil, recém-eleito, deu início a sua espetacular empreitada de construir no Planalto Central uma nova capital – Brasília. Enquanto isto , seu conterrâneo, médico como Juscelino, o escritor e diplomata João Guimarães Rosa, trazia a público o seu monumental livro Grande Sertão, veredas, celebrando o mundo arcaico que Juscelino começaria em breve a por abaixo.

Juscelino e Rosa



"...não deixavam o Miguilim parar quieto. Tinha de ou debulhar milho no paiol, capinar canteiro de horta, buscar cavalo no pasto, tirar cisco nas grades de madeira do rego. Mas Miguilim queria trabalhar, mesmo. O que ele tinha pensado, agora, era que devia copiar de ser igual como o Dito."

Guimarães Rosa- Manuelzão e Miguilim. 1956.

Os dois eram rapazes do interior de Minas Gerais. Um deles nascera em Diamantina, em 12 de setembro de 1902; o outro em Cordisburgo, em 27 de junho de 1908, e vieram cursar a mesma Faculdade de Medicina em Belo Horizonte. Juscelino Kubitschek de Oliveira ganhou o canudo e o anel em 1927; João Guimarães Rosa, graduou-se mais tarde, em 1930. Engajaram-se em revoluções. Não para matar, mas para salvar vidas. Juscelino embarcou numa coluna na Revolução de 1930, Guimarães Rosa alistou-se como voluntário na Constitucionalista de 1932. Eram vocacionados para o serviço público. Juscelino abrigou-se nas asas de Benedito Valadares, o Grande Chefe Joca Ramiro dele, tornando-se deputado e depois prefeito de Belo Horizonte (entre 1940-45).
Guimarães Rosa, um caipirão muito culto, grande cabeça, ingressava no Itamaraty para ser diplomata. Foi ver o mundo. Mandaram-no para Hamburgo, para Bogotá e Paris. E de novo para Paris. Mas o sertão - a imagem do pequizeiro e do jatobá, a beleza do ipê-amarelo, o rio vadio e vistoso -, nunca saía de dentro dele. Voltando por uns tempos ao Brasil, o doutor foi desbravar o interior de Minas Gerais e o do Mato Grosso. Acreditou que podia preservar aquilo com sua pena, aquela gente, o mundo dos matutos, dos trabucos e das traições. Assina-se então como Vaqueiro Mariano.
Juscelino, ao contrário , ao conhecer os Estados Unidos em viajem em 1948, regressou com outra cabeça. Evidentemente que, político hábil, nunca disse, mas tratou de fazer. No Brasil dele, veio convicto, não tinha mais lugar para o sertão. Era eletricidade, era fábrica, era carro e trator. Logo que eleito presidente, no dia 18 de abril de 1956, numa curta passagem por Anápolis, em Goiás, assinava às pressas a transferência da capital para o Planalto Central. Brasília iria começar a ser erguida bem no meio do sertão, no coração amado de Riobaldo, o personagem de Grande Sertão ; veredas, livro que Guimarães Rosa lançava naquele mesmo ano.


Riobaldo e Bernardo Sayão


Era naquela vastíssima região, um mundo em si mesmo, impenetrável império de matos e brenhas que cobriam as terras sem-fim do norte de Minas, indo até o sul da Bahia, passando pelos cerrados de Goiás, que os do bando do Urutu-Branco, dos jagunços Riobaldo e Diadorim, atuavam em busca do famigerado bandidão Hermógenes, homem mau, agente do Tinhoso, para vingar-se daquele judas. Exatamente era ali o mundo bárbaro e arcaico que Juscelino estava disposto a fazer sumir. Não com tiros, que não era seu jeito, mas com estradas, de cimento e de asfalto, com escavadeiras, caminhões e postes de luz.
Para tal tarefa de Hércules, ele convocou, entre tantos, um gigante, o engenheiro Bernardo Sayão, um homenzarrão, a quem ele colocava na Novacap, (o estado–maior que ergueria Brasília), poderoso como o Zé Bebelo de Guimarães Rosa, um coronelão que fazia e acontecia. Tão imenso era o Bernardo que foi preciso uma enorme árvore para matá-lo, quando ele assombrava o Brasil, abrindo a estrada para Belém, em 1959, à serra e a socos. Foi as Veredas-Mortas dele, local onde o diabo de Rosa o levou.

Brasília corroeu o sertão


JK e Bernardo Sayão
Entrementes, Juscelino carregando meio mundo para o Planalto Central (André Malraux, soberbo escritor, ministro da cultura francês, encantado com a obra, batizou-a de “a capital da esperança” ), conseguiu espantar para sempre os impedimentos que o mítico rio Liso do Sussuarão, de Guimarães Rosa, fazia. As veredas dele, impenetráveis, que durante tanto tempo protegeram o sertão dos assédios inimigos, sucumbiram frente ao ímpeto de Juscelino. Para seduzir os roceiros e os jagunços, desconfiados de tudo e de todos, ele , como já fizera antes em Belo Horizonte, nos seus tempos de prefeito, resolveu embasbacá-los.
Trouxe para o meio de Goiás, o arquiteto Oscar Niemeyer afim de erguer maravilhas com concreto nos descampados de Brasília, e mais uma leva de artistas e vitralistas para fazer tudo bonito, tudo moderno, para encher o brasileiro de orgulho, para arrumar um lugar e tanto para o Copa do Mundo, recém-conquistada em 1958. A planta da cidade era, como se sabe, a forma de um pássaro colossal cujo vôo sacudiu o Brasil de então. Juscelino não parava num só lugar, não ficava quieto nunca, num país de gente acomodada, dada à lassidão, parecia um azougue, decolando e aterrissando nos lugares mais inesperados, os mais improváveis, tão rápido tudo andava que até o seu nome encurtou, virou JK.
Vendendo otimismo, entusiasmando a cultura, fez a música, dispensando a viola, a sanfona e o tambor, tocar numa outra batida, fez o cinema olhar diferente, tudo era novo, a bossa era nova, o cinema era novo, até ele, o presidente, era o presidente bossa nova; Guimarães Rosa morreu em 1967, de emoção. Não foi pelo fardão da Academia de Letras que o seu coração falhou, foi sim pelo fim do sertão, que desaparecia. Juscelino, o Miguilim tornado homem, o Dito domador do sertão, acompanhou-o anos depois, em 1976, morto, como não podia deixar de ser, em viagem, num automóvel por uma estrada.

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