terça-feira, 15 de março de 2011

Tesouro Arqueológico O Naufrágio de Mahdia


Tesouro Arqueológico
O Naufrágio de Mahdia


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Certo dia, no ano de 1907, Alfred Merlin, diretor da arqueologia tunisiana, então sob administração colonial francesa, caminhando por entre o mercado de Mahdia, um pequeno lugarejo da Tunísia situado à beira do Mediterrâneo, deparou-se com pequenas estátuas gregas de bronze lá expostas. De onde viera aquilo, indagou ele? Logo lhe indicaram uns caçadores de esponja, uns pobres pescadores gregos que viviam de mergulhar no fundo do mar. Não 

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Merlin e Cousteau, pai da arqueologia submarina
demorou para que lhe informassem a direção do achado, distante mais ou menos há uns cinco quilômetros da costa. Merlin, desde então, até o ano de 1913, não mediu esforços para arrancar do fundo do mar aquilo que passou a ser um dos maiores achados arqueológicos de todos os tempos, composto por colunas e centenas de ânforas e outras esculturas de origem grega. Com ele, uma nova disciplina, uma nova ciência, ganharia vulto: a arqueologia marinha.




As expedições a Mahdia
Merlin coordenou várias equipes de mergulho, até cessarem os recursos em 1913. Gravíssimos problemas ocorriam com os escafandristas e bem pouco sabia-se sobre os problemas que eles sofriam quando deixados em grandes profundidades. Muitos dele morreram de embolia por não saberem como voltar à superfície. Mesmo assim, um significativo número de peças de mármore e de bronze foram retiradas dos braços de Netuno, todas elas depositadas no Museu Bardo de Túnis (hoje Musée National Bardo). As novas pesquisas somente foram retomadas trinta e cinco anos depois, em 1948, graças ao esforço de Phillippe Taillez e ao comandante Jacques-Yves Cousteau (considerado o verdadeiro pai da arqueologia marinha moderna). Se as condições de mergulho melhoraram sensivelmente, não apenas nos aparelhamentos, mas também na sua ciência, o local explorado continuava com os mesmos problemas: as águas de Mahdia continuavam perigosas e muito turvas, dificultando enormemente o descortino dos mergulhadores.


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O mapa primitivo da localização do naufrágio (croqui feito por Merlin, 1907)


Um achado impressionante


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Aspirando o fundo do mar
Em 1954/55, foram feitas novas tentativas, sem grandes resultados. Finalmente, no começo da década de 90, entre 1992/3, uma nova equipe conseguiu avançar mais do que todas as outras. A esta altura, novos instrumentos exploratórios entraram em ação e o computador foi fundamental para mapear as peças encontradas no fundo da areia,

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Invadindo o reino de Possêidon (Netuno)
cobertas de corais e musgos. O achado foi impressionante, o naufrágio de Mahdia apontava a existência de mais de 60 colunas gregas com um peso total estimado em 200 toneladas. Grande parte do material anterior fora profundamente afetado por um incêndio que devastou uma ala do Museu Bardo em Túnis, o que fez com que as peças, por meio de um acordo, fossem removidas para o Museu Estadual de Bonn, onde os arqueólogos alemães haviam desenvolvido avançadas técnicas de recuperação de objetos queimados (resultantes das destruição provocadas pela II Guerra Mundial).

A origem do tesouro


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Moeda romana
De onde afinal viera aquilo tudo? Que barco afundara com aquela carga impressionante? Hoje há um certo consenso em acreditar-se que as colunas e demais peças resultaram da pilhagem sofrida por Atenas pelo general romano Sila (entre os anos de 86-83 a.C.). Boa parte delas poderiam ter sido extraídas dos templos da cidade e do célebre altar dedicado a Zeus, existente na acrópole de Atenas, um dos mais belos da antigüidade. É bem possível que o barco tenha se afastado da rota do Pireu ao porto de Óstia e, talvez, pelo efeito de uma tempestade, naufragado na costa da Tunísia. Seja como for, até agora não se encontrou nenhuma pista que explique o acidente.


Os desacertos de Atenas
Desde que Atenas fora derrotada na Guerra do Peloponeso, encerrada em 427 a.C., a cidade nunca mais se acertou. Em todos os conflitos que doravante tomou partido, ela, fatidicamente, inclinou-se para o lado derrotado. Assim foi quando Demóstenes liderou-a contra a cada vez mais forte presença macedônica, sendo derrotada na batalha de Queronéia em 338 a.C., e assim também se deu quando ela tentou livrar-se do governo dos diádocos (os sucessores de Alexandre, o Grande) quando este morreu na Ásia em 323 a.C. De novo sua desgraça política confirmou-se quando ela manteve o apoio aos reis macedônicos quando os romanos se acercaram da Grécia, pondo-a sob seu domínio. Nesta ocasião, para surpresa dos atenienses, os generais vencedores, Tito Flamínio, Mânio Acílio e Emílio Paulo, romanos admiradores da cultura grega, evitaram as pilhagens e saques. Não só isso. Fizeram até polpudas doações aos santuários de Delfos, Epidauro e Olímpia. Sorte que terminou com a chegada do general Sila aos muros da cidade de Atenas no ano de 86 a.C.


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Acrópole de Atenas (reconstrução)


A guerra civil romana e a desgraça de Atenas


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Mário
Com a eclosão da guerra civil em Roma, no ano de 88 a.C., entre os dois principais chefes partidários, Caio Mário (dos populares) e Lúcio Cornélio Sila (da aristocracia), Atenas, aproveitando-se da confusão reinante, rebelou-se. Os cidadãos locais identificados com o domínio romano ou foram mortos ou desterrados. O tirano Aristón assumiu então o poder. 

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Sila
Não é preciso dizer que Atenas manteve assim sua vocação para as escolhas desastradas. Sila, aproveitando-se de uma folga da guerra civil, decidiu pôr Atenas sob sítio. Para tanto, para dar um castigo exemplar aos rebeldes, trouxe toda a imensa maquinaria romana de assalto, atrelando-a a dez mil pares de mulas. Nada mais entrava ou saía das portas da grande cidade. O romano determinou que os matassem de fome se necessário, pois eles, mais tarde ou mais cedo, teriam que render-se.

O Assalto final


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Mapa dos achados do naufrágio de Mahdia feito pelo computador
Consta que foi ouvindo uma conversa de alguns anciãos da cidade, que criticavam o tirano Aristón em manter desguarnecida a parte do Heptacalco, o que decretou o fim da resistência atenienses. Atentos, os espiões de Sila dentro da cidade indicaram-lhe o caminho da pedras. Havia sim um lado das muralhas sem maiores proteções. Era a parte que ligava a Porta Pireaica (que unia a cidade ao porto) à Porta Sagrada. Sila, que já havia desbastado os bosques sagrados dos arredores de Atenas, derrubando as árvores do jardim de Academus e do Liceu (onde ficavam as honoráveis escolas fundadas por Platão e Aristóteles, mais de três séculos antes), determinado a tudo, ampliou ainda mais a pilhagem ordenando que retirassem as jóias mais valiosas dos santuários gregos. A pobre Grécia assistiu impotente o roubo das suas madeiras e do seu ouro para que, com elas, o romano invasor forjasse as algemas que reduziram os atenienses. O ataque final deu-se à noite, à meia-noite de um dia chuvoso, na data de 1º de março do ano de 83 a.C. (Sila em suas Memórias foi preciso quanto a isso). As muralhas foram transpostas com rapidez e dali, com fúria inaudita, em marcha acelerada pelas ruelas, a soldadesca romana caiu sobre a população apavorada. A matança foi terrível, pois, como lembrou Plutarco, de Sila não podia se esperar "nada de humano ou de clemência". As ruas de Atenas viraram um matadouro. Com a antiga cidade prostrada, com o orgulho no chão, Sila deu seguimento ao saque, esvaziando-lhe os templos das suas oferendas, não poupando nem as esculturas, vasos, ou as pilastras que os sustentavam. Provavelmente foi um dos seus barcos carregando uma parte desse espólio que foi parar na costa da Tunísia. Preciosa carga que lá ficou no fundo do Mediterrâneo durante 1990 anos, até que os mergulhadores gregos a reencontraram para voltar a espantar o mundo.

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